Carlos Castilho, Observatório da Imprensa
“A maioria dos jornalistas contemporâneos apresenta um déficit pessoal
de conhecimentos capazes de assegurar condições mínimas para informar
sobre a complexidade e diversidade dos fatos, dados e eventos deste início
da era digital.
Esta é a conclusão, preocupante, do livro Informing the News:
The Need for Knowledge-Based Journalism, do professor Thomas
Patterson, da Escola Kennedy de Governança, na Universidade Harvard, e que foi
lançado em meados de outubro nos Estados Unidos (versão eletrônica disponível
na livraria virtual Amazon).
A ideia central de Patterson é a de que a observação, entrevistas e
checagem já não conseguem mais dar conta da necessidade de lidar com fatos,
dados e eventos cada vez mais complexos, para os quais a exigência de contextualização
se tornou mais importante do que a descrição factual ou reprodução de
opiniões e percepções de entrevistados.
O livro discute as abordagens tradicionais tanto da natureza como do
exercício do jornalismo e mostra como os manuais de redação e estudos teóricos
sobre a atividade estão defasados em relação à realidade surgida
após a avalancha informativa e a generalização do uso das novas tecnologias de
informação e comunicação (TICs).
A maioria dos repórteres atuais já se deu conta que cobrir notícias
econômicas, políticas e relacionadas à ciência ou tecnologia exige um
conhecimento maior sobre os temas em pauta porque não só as questões se
tornaram mais complexas, como também aumentou a sofisticação dos entrevistados
no uso de técnicas de construção de imagem e marketing de ideias.
As ferramentas tradicionais de observação, entrevista e checagem já não
conseguem mais uma rápida e eficiente identificação de vieses
informativos nas declarações de um político ou de um consultor
financeiro. Transmitir a informação bruta equivale muitas vezes a disseminar
uma mentira deslavada, com o consequente descrédito do profissional e do
veículo após a identificação do equívoco.
Quando o ritmo informativo era menos frenético do que o existente hoje,
era possível corrigir e reduzir os efeitos negativos, especialmente em matéria
de danos a reputações. Mas depois da avalancha informativa na web,
a disseminação das notícias e boatos é tão rápida e ampla que o recurso ao
“erramos” tornou-se meramente protocolar.
A contextualização da informação permite condições mínimas para
identificar quando e como alguém está distorcendo um fato, dado ou descrição de
um evento. Só que contextualizar exige duas condições muito
escassas no ambiente jornalístico contemporâneo: conhecimento e tempo.
O conhecimento requer estudo, pesquisa, investigação e especialização. A
complexidade da vida atual mostrou aos jornalistas como quase tudo está hoje
interligado e, principalmente, como os valores tradicionais como verdade,
objetividade, imparcialidade e exatidão tornaram-se relativos. As
certezas estão se evaporando enquanto as dúvidas se multiplicam,
tornando a tarefa de informar extremamente fluida e sujeita a um elevado grau
de incerteza.
Como desvendar o jogo embutido no marketing político adotado pela
maioria esmagadora dos nossos parlamentares ou ocupantes de cargos públicos? Como
perceber que dados revelados por um empresário ou economista são menos
importantes do que os não divulgados? Como identificar interesses associativos
em iniciativas de organizações sociais? Todas estas são preocupações
capazes de minar a segurança profissional de repórteres quando
confrontados com a pauta diária de coberturas.
Na falta de condições para contextualizar o material colhido, os
jornalistas recorrem ao cinismo como forma de se distanciar do viés
embutido em cada entrevista ou informação. O professor Patterson critica
duramente o recurso ao cinismo ao afirmar que ele funciona apenas como uma
cortina de fumaça, porque não consegue passar ao leitor a informação que ele
realmente procura e que está na contextualização do fato, dado ou evento.
O livro destaca que a preocupação com o déficit de conhecimento
apresentado pela maioria dos jornalistas é fruto do ritmo industrial imposto
pelas empresas de comunicação na produção de material para publicação
e divulgação. Mostra também como o menosprezo das empresas pela necessidade de
reduzir o déficit de conhecimento nas redações é anterior às TICs. Patterson
reproduz as reações dos principais executivos da imprensa norte-americana após
a divulgação do famoso Relatório Hutchins
sobre Liberdade de Imprensa, no qual os seus autores criticavam duramente
a superficialidade do noticiário jornalístico da época.
Quase todos os jornais, com exceção do New York Times, criticaram
as conclusões do informe afirmando que ele era uma divagação teórica de um
grupo de professores. Vinte anos mais tarde, o ex-repórter Phillip Meyer, que
abandonou a profissão para se tornar professor universitário, desenvolveu um
estudo sobre o que ele chamou de jornalismo de
precisão, no qual destacava a necessidade de usar
métodos das ciências sociais para informar sobre fenômenos urbanos. A
proposta foi elogiada, mas sua aplicação nunca chegou à dimensão proposta por
Meyer.
O que o professor Patterson propõe é o fim do mito do jornalismo mais
preocupado com a ação, e em gastar sola de sapato, e a valorização do
conhecimento como ferramenta fundamental da profissão. Ele sugere que
repórteres e editores explorem duas vertentes do conhecimento
jornalístico: o conhecimento dos conteúdos e o conhecimento
do processo de comunicação. O primeiro visa conhecer o contexto dos fatos,
dados e eventos para evitar distorções na notícia; e o segundo para entender
melhor os interesses do público e buscar formas mais eficientes de transmitir
notícias e informações pela web.”
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